segunda-feira, 30 de junho de 2008
O Povo Canta o Brasil que Resistiu - Os 21 Anos de um País Sem Lenço Nem Documento
Autor do Enredo: Eduardo Nunes
Apresentação do Enredo
"De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade"
(Cálice. De: Chico Buarque e Gilberto Gil)
Em silêncio... Era assim que os oficiais da Ditadura queriam ouvir o Brasil. Em forma de poesia o país que resistiu respondeu a clausura de um dos tempos mais obscuros de nossa história. A Raízes, em azul e branco, vem contar essa história do país que viveu 21 longos anos sem lenço nem documento.
Sinopse
ANa década de 60 ao abrir a janela encontrávamos um mundo bipartido. Frias guerras se espalhavam pelo mundo e gotas de sangue e suor respingavam principalmente nos países de terceiro mundo. O Brasil tinha que escolher seu destino, entre a foice e a águia.
“São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.”
(Águas de Março. De: Tom Jobim)
As águas de março que fechavam o verão de 1964, abriam caminho para uma nova fase da história nacional. Em comício na Central do Brasil em 13 de Março do mesmo ano, o presidente João Goulart, o famoso Jango, no Comício das Reformas de base dá sua fatal guinada à esquerda. A caça ao espectro vermelho comunista chega ao Brasil. Forças militares (mas com um gigantesco apoio civil) se articulam para o golpe com o apoio claro dos Estados Unidos da América.
Anos se passam e o que era para ser uma “intervenção cirúrgica” no país, ganha contornos de crueldade em fins de 1968, “o ano que não terminou”. O AI-5, que propunha a supressão dos direitos individuais tenta calar o Brasil. A mesma classe média, por vezes até conservadora, que quatro anos antes apoiara o golpe, agora chora a morte sangrenta de seus filhos. Chora um país inteiro a morte da liberdade nos “anos de chumbo”.
“Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...”
(Prá não dizer que não falei das flores. De: Geraldo Vandré)
Inspirados pelos grafites que cobriam os muros de Paris na Rebelião estudantil de 64, jovens brasileiros vão em busca da liberdade de expressão tão sonhada. Em forma de canção se dá a resistência. “É proibido proibir” de Caetano Veloso ganha voz pelo Brasil antes de ser censurada. O “Cálice” que não era cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil passa pelas frestas da censura fazendo o povo não se calar. “Alegria alegria” de Caetano, cantava um país sem lenço nem documento. A Tropicália reinterpreta o Brasil. O teatro ganhava contornos de resistência com o espetáculo “Roda Viva” na qual teve até mesmo atores espancados pela censura do DOPS e do SNI. Os festivais, que eram mania nacional davam voz ao Brasil. E no terceiro Festival Internacional da Canção a música “Prá não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré ficou em um inexplicável segundo lugar, mas se tornou hino da resistência. Pois caminhando e cantanto seguindo a canção somos todos iguais, braços dados ou não.
“A taça do mundo é nossa
Com brasileiro não há quem possa
Êh eta esquadrão de ouro
É bom no samba, é bom no couro”
(A taça do mundo é nossa. De: Maugeri, Müller, Sobrinho e Dagô)
O esquadrão de ouro encantava o país na conquista da copa de 1970 no México. Segundo os oficiais da ditadura era esse o país que iria pra frente em verde e amarelo. A euforia tomava conta do país no visual dos anos 70 em cores fortes e ácidas. Pura utopia de quem não via o que acontecia nos porões do Brasil. Nessa época a Rede Globo conquistou um meteórico sucesso com o seu parcial Jornal Nacional. As telenovelas encantavam e coloriam as Tv’s. A Jovem Guarda faziam multidões delirarem. O “milagre brasileiro” era construído a duras penas. Foi a época da construção da Transamazônica, da Ponte Rio-Niterói, dos metrôs no Rio de Janeiro e São Paulo, da Zona Franca de Manaus e da Usina Nuclear de Angra dos Reis. Obras que até hoje geram controvérsias. Era um país perfeito, pintado a ouro mas construído por isopor. Um país construído às custas de sangue de seus filhos.
“Vamos renascer das cinzas
Plantar de novo o arvoredo
Bom calor nas mãos unidas
Na cabeça um grande enredo
Ala dos Compositores
Mandando o samba no terreiro
Cabrochas sambando
Cuica roncando
Viola e pandeiro
No meio da quadra
Pela madrugada
Um senhor partideiro
Sambar na Avenida de azul e branco
É o nosso papel
Mostrando pro povo
Que o berço do samba é em Vila Isabel”
(Renascer das Cinzas. De: Martinho da Vila)
No recanto da Princesa, no campo de futebol do América surge o renascer das cinzas de Martinho da Vila, logo após o desfile de 1974. Pressões para a de mudança do enredo em 1974 e o corte da obra de Martinho por ser de caráter subversivo fizeram com que a Unidos de Vila Isabel amargasse um último lugar por não poder ter desenvolvido o seu pleno carnaval.
Assim como renasce das cinzas o samba de Martinho no alvorecer dos anos 80 também renasce o Brasil. Os tempos de bipolaridade são tempos passados. É na chamada “década perdida” que o Brasil novamente ganha voz e tem novamente a Liberdade. Vozes no ABC paulista por meio de greves engrossam a massa de descontentes com o regime ditatorial do país. O processo lento e gradual de abertura do país é iniciado e logo ganha vozes de “Diretas já!” A anistia e o fim do exílio libertam Brasil que pode novamente sonhar livremente.